A resistência ao acordo de cessar-fogo em Gaza e o futuro dos palestinos

Os vídeos que circulam pelas redes sociais de palestinos comemorando o acordo de cessar-fogo são emocionantes, mas não são capazes de nos fazer sentir a dimensão do alívio e felicidade do povo palestino. Foram necessários quinze meses de extermínio televisionado para que se chegasse a um acordo entre o grupo palestino Hamas e o Estado de Israel.

O momento, no entanto, ainda é de incertezas. Desde o anúncio do possível acordo bombardeios já mataram mais de 100 pessoas na Faixa de Gaza. Os termos negociados por Catar, Egito e Estados Unidos junto ao Hamas e Israel ainda não foram completamente divulgados. Detalhes finais ainda estão em negociação. Aproveitando esse hiato, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu adiou a votação do acordo junto ao parlamento, que estava prevista para a quinta-feira 16, depois de declarar que o Hamas fez novas exigências e que não iria assinar o acordo. O Hamas nega.

O adiamento da votação diz muitos sobre as intenções do governo de Israel. A administração de Netanyahu é formada por partidos de direita ou extrema-direita, entre eles partidos ultra-ortodoxos e de inclinações sionistas. Um dos principais nomes dessa vertente é Itamar Ben-Gvir, Ministro de Segurança Nacional que ameaça sair do governo, junto com seu partido: idem o ultra-nacionalista Otzma Yehudit, caso o cessar-fogo seja assinado. Bezalel Smotrich, Ministro das Finanças, também se posicionou contra o acordo.

Desde 2022, quando a atual administração assumiu o poder, os principais objetivos sempre estiveram relacionados à anexação de territórios palestinos na Cisjordânia e uma solução permanente da questão em Gaza.

Apesar de tudo, o mundo espera, ansioso, que o cessar fogo tenha início domingo, 19 de janeiro. A imprensa global informou que o cessar-fogo será dividido em três fases. A primeira fase terá duração de seis semanas e tem como objetivos principais a troca de reféns entre o Hamas e Israel, a retirada parcial das tropas israelenses da Faixa de Gaza e o envio de ajuda humanitária para a região.

A troca de reféns envolverá 33 israelenses sequestrados nos ataques de 7 de outubro de 2023 pelo Hamas, 110 prisioneiros palestinos condenados à prisão perpétua em prisões israelenses e mil palestinos detidos a partir de 8 de outubro de 2023.

A retirada das tropas israelenses será parcial. Os territórios que serão desocupados são apenas os grandes centros populacionais, permanecendo tropas dentro de um raio de até 700 metros da fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza. Além disso, o Corredor Netzarin, um corredor de 6km que corta o território palestino da fronteira com Israel até o Mar Mediterrâneo (criado após a invasão da região para monitorar a movimentação de palestinos na Faixa de Gaza) não será desativado. Em contrapartida, o Corredor Philadelphi, uma zona tampão que existe há mais de quatro décadas entre o Egito e a Faixa de Gaza em função do acordo entre Egito e Israel de 1979, será totalmente desmilitarizado até o 50º dia do cessar fogo.

Ainda na fase inicial está previsto o retorno dos civis para a região norte da Faixa de Gaza, o envio de 600 caminhões de ajuda humanitária para região e a abertura da passagem de Rafah (ao sul da Faixa de Gaza, na fronteira com o Egito) para a saída de palestinos feridos em busca de tratamento médico.

A segunda e a terceira fases do acordo serão negociadas ao longo das seis primeiras semanas. Para a segunda fase, ficou pré-acordada a soltura dos demais reféns do Hamas, na maioria soldados israelenses e de mais palestinos presos nas prisões de Israel, assim como a total retirada das tropas da Faixa de Gaza.

A terceira fase envolverá o retorno dos corpos de reféns levados pelo Hamas no dia 07 de outubro de 2023 e um plano de cinco anos de reconstrução total da Faixa de Gaza sob supervisão internacional.

Uma das principais questões ainda em aberto diz respeito à administração da Faixa de Gaza. Os Estados Unidos pressionam por uma administração feita por uma Autoridade Palestina reformada. Países árabes têm se manifestado a favor do envio de forças militares para garantir a segurança da região no curto prazo.

Cessar-fogo não basta diante do horror perpetrado em Gaza

A notícia do cessar-fogo traz uma certa sensação de alívio após mais de quatrocentos dias do primeiro genocídio televisionado da história, mas o cessar fogo não é suficiente. É preciso garantir que os quase dois milhões de deslocados internos tenham condições de voltar a viver nos lugares que viviam, que suas casas sejam reconstruídas e que tenham acesso à saúde, educação, água e tantos outros direitos básicos retirados e que garantem uma vida decente, não apenas a sobrevivência.

Além disso, é necessário relembrar que antes mesmo do início da ofensiva de outubro de 2023, a população da Faixa de Gaza estava há anos sob bloqueio israelense e já tinha suas calorias contadas, assim como infraestruturas básicas destruídas por ofensivas anteriores, e um escasso acesso à água potável, energia elétrica e tratamentos de saúde.

Os números oficiais apontam para mais de 46 mil mortos na Faixa de Gaza, mais de 17 mil crianças; aproximadamente 110 mil feridos, outros 11 mil desaparecidos e 1,9 milhões de deslocados internos, de um total de 2,1 milhões de habitantes. Na Cisjordânia ocupada, os mortos chegam a 852 pessoas, sendo 175 crianças, além de 6.700 feridos. Do lado israelense, foram 1.139 mortos e por volta de 8.700 feridos.

De acordo com dados levantados pela Al Jazeera junto a ONU e ao governo palestino, os ataques israelenses destruíram ou danificaram 69% de toda a estrutura da Faixa de Gaza, o que totaliza 92% das residências, 80% dos prédios comerciais, 88% de edifícios escolares, pelo menos 50% dos centros de saúde da região (incluso hospitais), 68% da infraestrutura rodoviária e 65% das áreas de plantio. Essa prática de destruição do exército israelense é uma estratégia há conhecida como “aparar a grama”, que consiste justamente na destruição total das estruturas básicas de uma região a fim de provocar o êxodo de sua população – uma tática explícita de limpeza étnica. Para além da destruição dessas estruturas básicas, o governo israelense promoveu também um genocídio cultural ao destruir 75 sítios históricos na Faixa de Gaza.

Pelo menos 165 jornalistas foram mortos neste conflito, mais de mil famílias deixaram de existir, recém-nascidos deixados para morrer congelados após invasões de hospitais, crianças amputadas sem anestesia, ataques de drones a pessoas famintas, imagens de subnutrição, a iminência da fome e mais de 85 mil toneladas de explosivos jogados sobre uma área de 365 km² com mais de dois milhões de habitantes, a maior densidade populacional do planeta. Os responsáveis são conhecidos. Somente a história irá julgá-los?

Carolina Condé recebe bolsa de fomento à pesquisa da modalidade doutorado da CAPES.

Rolar para cima