Cientistas detectam neutrino de mais alta energia já observado até o momento

O neutrino foi detectado por um observatório ancorado no fundo do mar não muito longe da Sicília, na Itália, e tem uma energia calculada em cerca de mil vezes as partículas geradas pelo LHC, o maior acelerador de partículas do mundo kmart17

Pesquisas recentes sobre pequenas partículas extremamente leves chamadas neutrinos podem ter passado desapercebidas por você, assim como os mais de 10 trilhões de neutrinos que atravessam seu corpo a cada segundo. Mas agora, nosso novo estudo – com a contribuição de 21 países, mais de 60 institutos e cerca de 360 cientistas – relata a detecção do neutrino de mais alta energia já observado até agora.

Apesar do enorme número de neutrinos ao nosso redor, esse é um dos eventos astronômicos mais empolgantes – e mais raros – do ano. Nosso estudo foi publicado recentemente na revista científica Nature.

Os neutrinos são partículas elementares (subatômicas) minúsculas, abundantes em nosso Universo. Mas você provavelmente nunca viu um. Eles não interagem com o resto da matéria das maneiras que estamos acostumados a ver.

Como não têm carga elétrica, por exemplo, a força eletrostática que governa a maioria das nossas experiências cotidianas não interage com os neutrinos. E sua massa extremamente pequena significa que a gravidade – a outra poderosa força que experimentamos cotidianamente – também não tem grande efeito sobre eles em condições de laboratório na Terra.

Detectar sua presença, portanto, é no mínimo um desafio.

Os neutrinos podem ser produzidos em um grande número de ambientes. Entre eles estão os decaimentos radioativos de bananas, o interior do Sol, durante a morte violenta de uma estrela maciça e nos discos quentes e densos de matéria ao redor de buracos negros supermaciços, para citar apenas alguns.

Eles são formados por meio das ações da força nuclear fraca, que rege o decaimento radioativo. É essa força que permite que partículas com carga positiva chamadas prótons, que compõem o núcleo atômico, se transformem em nêutrons, partículas com carga neutra que também existem no núcleo atômico, e vice-versa.

Não podemos detectar um neutrino diretamente. Mas, de vez em quando (embora muito raramente), eles se chocam com alguma coisa. Quando isso acontece, a ação dessa força nuclear fraca pode levar à criação de uma partícula carregada, como um elétron, aparentemente do nada. E estas partículas carregadas nós podemos detectar.

Essas partículas carregadas viajam a velocidades enormes. E quando elas se movem em um meio como a água, criam um brilho azul fraco e assustador à medida que são desaceleradas. Esse fenômeno, chamado de efeito Cherenkov, também ocorre em piscinas de contenção de reatores nucleares.

Qual é a probabilidade (ou improbabilidade) dessas interações? Bem, você teria que tirar 75 caras seguidas em lançamentos de uma moeda justa para ter a mesma probabilidade de um único neutrino interagir com uma partícula de matéria. Acha que isso é fácil? Vá em frente e jogue a moeda. Vai demorar um pouco.

No fundo do mar

A colaboração do telescópio KM3NeT usa o efeito Cherenkov para observar as profundezas do Mar Mediterrâneo em busca do brilho fraco e revelador desses eventos envolvendo os neutrinos. A colaboração opera duas enormes estações de detecção – uma na costa de Toulon, na França, e outra na costa sul da Sicília. Os cientistas ficam atentos em busca destes eventos o tempo todo.

A escala desses detectores é gigantesca, assim como a maioria dos detectores de neutrinos, já que a única maneira de detectar a elusiva colisão de neutrinos com outras partículas é tentar aumentar a quantidade de matéria com a qual o neutrino pode interagir. Na verdade, a parte KM3 do acrônimo KM3NeT representa o um quilômetro cúbico (KM³) de água do mar que o detector abrangerá quando estiver concluído.

As estações de detecção consistem em quase 600 detectores de luz – boias esféricas, cada uma contendo 31 tubos sensores de luz, que são presos a cabos ancorados no fundo do mar a até 3,5 km abaixo da superfície.

A partícula descrita em nosso artigo recente na Nature foi detectada em 13 de fevereiro de 2023. E você pode se perguntar por que essa longa espera para anunciar sua detecção? Este tempo foi gasto por cientistas colaboradores de toda a Europa verificando e simulando a detecção para confirmar a natureza do evento. Após meses de trabalho da equipe do KM3NeT, podemos finalmente dizer que essa é a observação mais energética de uma interação de neutrinos já registrada.

Cerca de 28.000 fótons (partículas de luz) foram detectados em toda a matriz do detector na Sicília, indicando que um evento extremamente energético acabara de acontecer. Uma lâmpada média de 75 Watts gera milhões e milhões de fótons a cada segundo (cerca de 100 quintilhões, para ser mais preciso). Assim, embora esses poucos milhares de fótons possam parecer que foi um evento pequeno, lembre-se de que isso foi gerado por uma única minúscula partícula.

Na verdade, a energia do neutrino responsável por essa exibição brilhante foi estimada em 220 peta-eletronvolts (PeV), ou 30 vezes mais energética do que o neutrino de maior energia registrado até então. Em termos de energias de partículas, ele é cerca de 1.000 vezes mais energético do que as partículas geradas no Grande Colisor da Hádrons (LHC, na sigla em inglês) no Centro Europeu de Pesquisas Nuclares (Cern), o maior e mais energético acelerador de partículas do mundo.

A luz gerada por esse evento recorde pôde ser acompanhada através da matriz do detector, e nossa colaboração conseguiu usá-la para reconstruir a trajetória quase horizontal desse neutrino de alta energia. O caminho percorrido indica que esse neutrino é de origem cósmica, isto é, de fora da nossa galáxia, a Via Láctea.

Não sabemos exatamente de onde ele veio, mas identificamos 12 potenciais blazares (núcleos brilhantes de galáxias ativas, com buracos negros gigantescos) que podem tê-lo produzido. Também é possível que ele tenha sido criado na interação de raios cósmicos com fótons da radiação cósmica de fundo, o “eco” do Big Bang.

Essa detecção oferece uma janela para os fenômenos de energia ultra-alta que ocorrem no Universo e pode, por exemplo, nos ajudar a entender melhor a natureza de alguns dos raios cósmicos mais energéticos. Além disso, a observação pode nos ajudar a testar ainda mais os modelos teóricos que preveem a existência de neutrinos de alta energia.

The Conversation

David Benoit recebe financiamento da União Europeia, do Science and Technology Facilities Council e do UKRI National Quantum Computing Centre.

James Keegans recebe financiamento da União Europeia.

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