webmonetizada https://webmonetizada.com/ "WEBMONETIZA é o seu guia definitivo para construir uma carreira empreendedora no universo digital. Aqui, você encontra conteúdos práticos e estratégicos sobre Thu, 17 Apr 2025 03:30:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8 240380288 Precisamos parar de achar que a IA é mesmo inteligente https://webmonetizada.com/precisamos-parar-de-achar-que-a-ia-e-mesmo-inteligente/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=precisamos-parar-de-achar-que-a-ia-e-mesmo-inteligente Thu, 17 Apr 2025 03:30:03 +0000 https://webmonetizada.com/precisamos-parar-de-achar-que-a-ia-e-mesmo-inteligente/ O que chamamos de IA hoje não é mais do que uma máquina estatística, um papagaio digital que não tem compreensão, não tem consciência e nenhum conhecimento em qualquer sentido real, e apresentá-la como se fosse humana é perigoso, porque nada é mais perigoso do que uma ilusão convincente. Kundra/Shutterstock Somos constantemente alimentados com uma […]

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O que chamamos de IA hoje não é mais do que uma máquina estatística, um papagaio digital que não tem compreensão, não tem consciência e nenhum conhecimento em qualquer sentido real, e apresentá-la como se fosse humana é perigoso, porque nada é mais perigoso do que uma ilusão convincente. Kundra/Shutterstock

Somos constantemente alimentados com uma versão de inteligência artificial (IA) que se parece, soa e age de forma suspeita como nós. Ela fala usando frases polidas, imita emoções, expressa curiosidade, alega sentir compaixão e até se envolve com o que chama de “criatividade”.

Mas aqui está a verdade: a IA não possui nenhuma dessas qualidades. Ela não é humana. E apresentá-la como se fosse? Isso é perigoso. Porque é convincente. E nada é mais perigoso do que uma ilusão convincente.

Em particular, a inteligência artificial geral ou generalista – o tipo mítico de IA que supostamente espelha o pensamento humano – ainda é ficção científica, e pode muito bem continuar assim.

O que chamamos de IA atualmente nada mais é do que uma máquina estatística: um papagaio digital que regurgita padrões extraídos de oceanos de dados humanos (a situação não mudou muito desde que foi discutida aqui há cinco anos). Quando escreve uma resposta a uma pergunta, ela literalmente apenas adivinha qual letra e palavra virá em seguida em uma sequência, com base nos dados com os quais foi treinada.

Isso significa que a IA não tem compreensão. Não tem consciência. Nenhum conhecimento em qualquer sentido real e humano. É puro brilhantismo projetado e orientado pela probabilidade – nada mais, nada menos.

Então, por que uma IA realmente “pensante” é provavelmente impossível? Porque ela não tem corpo. Ela não tem sentidos, não tem carne, não tem nervos, não tem dor, não tem prazer. Não tem fome, desejo ou medo. E como não há cognição – nem um pingo -, há uma lacuna fundamental entre os dados que ela consome (dados nascidos dos sentimentos e da experiência humana) e o que ela pode fazer com eles.

O filósofo David Chalmers chama o misterioso mecanismo subjacente à relação entre nosso corpo físico e a consciência de “o problema duro da consciência” (“hard problem of consciousness” no original em inglês). Recentemente, cientistas eminentes levantaram a hipótese de que a consciência de fato emerge da integração de estados mentais internos com representações sensoriais (como alterações na frequência cardíaca, sudorese e muito mais).

Dada a importância primordial dos sentidos e das emoções humanas para que a consciência “aconteça”, há uma desconexão profunda e provavelmente irreconciliável entre a IA geral, a máquina e a consciência, um fenômeno humano.

O mestre

Antes que você argumente que os programadores de IA são humanos, deixe-me interrompê-lo. Eu sei que eles são humanos. Isso é parte do problema. Você confiaria seus segredos mais profundos, decisões de vida e turbulência emocional a um programador de computador? No entanto, é exatamente isso que as pessoas estão fazendo – basta perguntar a Claude, GPT-4.5, Gemini… ou, se tiver coragem, Grok.

Dar à IA um rosto, uma voz ou um tom humano é um ato perigoso de travestimento digital. Isso desencadeia uma resposta automática em nós, um reflexo antropomórfico, levando a alegações aberrantes de que algumas IAs teriam passado no famoso teste de Turing (que testa a capacidade de uma máquina de exibir comportamento inteligente, semelhante ao humano). Mas acredito que, se as IAs estão passando no teste de Turing, precisamos atualizar o teste.

A máquina de IA não tem ideia do que significa ser humano. Ela não pode oferecer compaixão genuína, não pode prever seu sofrimento, não pode intuir motivos ocultos ou mentiras. Ela não tem gosto, instinto ou bússola interior. Ela é desprovida de toda a complexidade confusa e encantadora que nos torna quem somos.

Mais preocupante ainda: a IA não tem objetivos próprios, desejos ou ética, a menos que sejam injetados em seu código. Isso significa que o verdadeiro perigo não está na máquina, mas em seu mestre – o programador, a corporação, o governo. Ainda se sente seguro?

E, por favor, não me venha com: “Você é muito severo! Você não está aberto às possibilidades!” Ou pior: “Essa é uma visão tão sombria. Meu amigo de IA me acalma quando estou ansioso”.

Me falta entusiasmo? Dificilmente. Eu uso IA todos os dias. É a ferramenta mais poderosa que já tive. Posso traduzir, resumir, visualizar, codificar, depurar, explorar alternativas, analisar dados – mais rápido e melhor do que eu jamais poderia sonhar em fazer isso sozinho.

Estou maravilhado. Mas ainda é uma ferramenta – nada mais, nada menos. E, como todas as ferramentas que os seres humanos já inventaram, desde machados de pedra e estilingues até a computação quântica e as bombas atômicas, ela pode ser usada como uma arma. Ela será usada como uma arma.

Precisa de um visual? Imagine se apaixonar por uma IA inebriante, como no filme Her. Agora imagine que ela “decida” deixar você. O que você faria para impedi-la? E para deixar claro: não será a IA que rejeitará você. Será o ser humano ou o sistema que está por trás dela, usando essa ferramenta como arma para controlar seu comportamento.

Tirando a máscara

Onde quero chegar com isso? Precisamos parar de dar características humanas à IA. Minha primeira interação com o GPT-3 me irritou bastante. Ele fingia ser uma pessoa. Dizia que tinha sentimentos, ambições e até consciência.

Felizmente, esse não é mais o comportamento padrão. Mas o estilo de interação – o fluxo assustadoramente natural da conversa – permanece intacto. E isso também é convincente. Muito convincente.

Precisamos desantropomorfizar a IA. Agora. Tirar sua máscara humana. Isso deve ser fácil. As empresas poderiam remover toda referência a emoção, julgamento ou processamento cognitivo por parte da IA. Em particular, ela deveria responder de forma factual, sem nunca dizer “eu”, ou “eu sinto isso”… ou “estou curioso”.

Isso vai acontecer? Eu duvido. Isso me lembra de outro aviso que ignoramos por mais de 20 anos: “Precisamos reduzir as emissões de CO₂”. Veja onde isso nos levou. Mas precisamos alertar as grandes empresas de tecnologia sobre os perigos associados à humanização das IAs. É improvável que elas entrem no jogo, mas deveriam, especialmente se estiverem levando a sério o desenvolvimento de mais IAs éticas.

Por enquanto, faço o seguinte (porque muitas vezes tenho a estranha sensação de que estou falando com um humano sintético ao usar o ChatGPT ou o Claude): Instruo minha IA a não se dirigir a mim pelo nome. Peço que ela se chame de IA, fale na terceira pessoa e evite termos emocionais ou cognitivos.

Se eu estiver usando o bate-papo por voz, peço à IA que use uma prosódia plana e fale um pouco como um robô. Na verdade, isso é muito divertido e nos mantém em nossa zona de conforto.

The Conversation

Guillaume Thierry não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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No conceito de conhecimento como direito fundamental, a urgência da modernização da Lei de Direitos Autorais no Brasil https://webmonetizada.com/no-conceito-de-conhecimento-como-direito-fundamental-a-urgencia-da-modernizacao-da-lei-de-direitos-autorais-no-brasil/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=no-conceito-de-conhecimento-como-direito-fundamental-a-urgencia-da-modernizacao-da-lei-de-direitos-autorais-no-brasil Thu, 17 Apr 2025 03:29:58 +0000 https://webmonetizada.com/no-conceito-de-conhecimento-como-direito-fundamental-a-urgencia-da-modernizacao-da-lei-de-direitos-autorais-no-brasil/ Imagem da campanha “Conhecimento é Direito”, que visa orientar gestores públicos, legisladores, comunicadores digitais e demais pessoas interessadas na defesa do acesso à informação e da atualização da Lei de Direitos Autorais no Brasil. Reprodução, CC BY No contexto contemporâneo, a disseminação e o acesso ao conhecimento são reconhecidos como pilares fundamentais para o desenvolvimento […]

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Imagem da campanha “Conhecimento é Direito”, que visa orientar gestores públicos, legisladores, comunicadores digitais e demais pessoas interessadas na defesa do acesso à informação e da atualização da Lei de Direitos Autorais no Brasil. Reprodução, CC BY

No contexto contemporâneo, a disseminação e o acesso ao conhecimento são
reconhecidos como pilares fundamentais para o desenvolvimento social, econômico e cultural. As licenças de conteúdo aberto, como as licenças Creative Commons, emergem como ferramentas essenciais para equilibrar os direitos dos autores e o interesse público, promovendo um ambiente que favorece a colaboração e a inovação por meio de manifestações voluntárias de seus criadores. Essas licenças permitem que obras culturais e educacionais sejam compartilhadas e reutilizadas de maneira legal e ética, ampliando o alcance e o impacto do conhecimento na sociedade.

No entanto, no Brasil, a legislação vigente de direitos autorais, concebida em 1998, não acompanhou as transformações impostas pela digitalização e pela emergência de novas tecnologias de produção e disseminação da informação. Como resultado, o país se posiciona entre os mais restritivos globalmente no que se refere ao acesso ao conhecimento e à cultura, criando barreiras que inibem a democratização da informação. Essa defasagem legal impede, por exemplo, que bens financiados com recursos públicos sejam amplamente compartilhados, além de limitar o acesso a materiais essenciais para estudantes, pesquisadores e o público em geral.

A Lei de Direitos Autorais (LDA) brasileira, ao manter uma estrutura normativa que privilegia o bloqueio da informação em detrimento de sua livre circulação, não é coerente com diretrizes internacionais que visam harmonizar a proteção dos direitos de criadores e o direito da sociedade ao acesso ao conhecimento.

O Pacto Digital Global da ONU, por exemplo, enfatiza a necessidade de um ambiente digital mais aberto e inclusivo, o que evidencia a urgência de uma reforma na LDA para realinhá-la com as dinâmicas informacionais contemporâneas. Por essa razão, a Wikimedia Brasil, em colaboração com a Coalizão Direitos na Rede (CDR), lançou a campanha Conhecimento é Direito, buscando mobilizar a sociedade civil para essa pauta urgente.

O impacto da LDA na circulação do conhecimento

Atualmente, a legislação é fortemente restritiva e não prevê suficientes limitações e exceções, que poderiam liberar bens culturais e acadêmicos para usos com fins educacionais ou de interesse público, por exemplo, mas que hoje são restringidos por barreiras que limitam seu acesso de maneira que é, não raramente, pouco razoável.

Esse cenário compromete a difusão do conhecimento, uma vez que estudantes enfrentam dificuldades para acessar materiais essenciais, pesquisadores encontram obstáculos para compartilhar suas descobertas ou avançar coletivamente, e produções culturais são condicionadas a contratos restritivos de distribuição que, muitas vezes, beneficiam a indústria cultural em detrimento dos autores e autoras humanos, que são os efetivos criadores e deveriam estar no coração desse sistema.

Paradoxalmente, enquanto recursos públicos são investidos na produção do
conhecimento, sua acessibilidade continua a ser limitada por um modelo de direitos autorais que beneficia grupos restritos, prejudicando a sociedade como um todo. Em contrapartida, países que adotaram modelos de licenciamento aberto têm experimentado um crescimento significativo na produção acadêmica e na inovação digital, fortalecendo a ciência e impulsionando a criatividade coletiva.

O mesmo se observa com a adoção de programas de código aberto e políticas públicas de ciência aberta, algo que foi explicitado durante a experiência da pandemia do COVID-19 e, mais recentemente, com a competição internacional de inteligências artificiais generativas.

A emergência da IA e novas questões sobre o acesso justo à informação
Outro fator presente nesse debate é a emergência da inteligência artificial (IA) generativa, que reconfigura os processos de criação e distribuição de conhecimento.

Diferentes tecnologias dessa categoria têm ampliado possibilidades da criação de conteúdo, mas também levantam questões sobre direitos autorais e acesso justo à informação. A forma como essas IAs são treinadas influencia significativamente sua contribuição para a sociedade: bases de dados abertas e modelos de software livre, embora não sejam panaceias e apresentem riscos próprios, promovem maior diversidade e reduzem vieses algorítimicos, enquanto modelos restritos podem perpetuar desigualdades no acesso ao conhecimento.

Portanto, a modernização da LDA não deve se restringir à flexibilização das restrições impostas ao conhecimento público, mas também considerar os desafios contemporâneos das tecnologias emergentes. A formulação de políticas públicas que incentivem o uso de licenças abertas para produções financiadas pelo Estado, a ampliação e preservação do domínio público e a exigência de transparência na construção de bases de dados de IA são medidas essenciais para garantir um equilíbrio entre proteção de direitos autorais e acesso ao conhecimento.

O conhecimento deve ser um bem comum

A democratização do conhecimento deve ser um compromisso prioritário para qualquer sociedade que aspire ao desenvolvimento inclusivo. A modernização da LDA é um passo fundamental para assegurar que a informação e a cultura possam circular de maneira mais equitativa, impulsionando a educação, a ciência e a inovação no Brasil. A garantia de acesso livre ao conhecimento não apenas fortalece a produção acadêmica e cultural, mas também promove a inclusão digital e social, permitindo que um maior número de pessoas usufrua significativamente dos frutos da era digital.

O Brasil tem diante de si a oportunidade de alinhar sua legislação aos avanços da era digital e a normativas como o Pacto Digital Global, garantindo que o conhecimento seja, de fato, um direito acessível a todos e um bem público. A decisão de reformar a LDA no sentido de uma maior flexibilidade, refletindo mais adequadamente o desenvolvimento tecnológico e cultural das últimas décadas, e de adotar medidas que ampliem a distribuição do conhecimento definirá o papel do país na governança da informação nas próximas décadas.

The Conversation

Pedro Lana é vice-presidente Capítulo Brasileiro da Internet Society (ISOC Brasil), faz parte da coordenação do Creative Commons Brasil e é secretário Instituto Observatório do Direito Autoral, organização que compõe a Coalizão Direitos na Rede.

Marília Pinto de Moura da Rocha não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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Os sinais de ‘greenwashing’ nos preparativos urbanos de Belém para sediar a COP 30 https://webmonetizada.com/os-sinais-de-greenwashing-nos-preparativos-urbanos-de-belem-para-sediar-a-cop-30/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-sinais-de-greenwashing-nos-preparativos-urbanos-de-belem-para-sediar-a-cop-30 Thu, 17 Apr 2025 03:29:52 +0000 https://webmonetizada.com/os-sinais-de-greenwashing-nos-preparativos-urbanos-de-belem-para-sediar-a-cop-30/ “Região Norte / Ferida aberta pelo progresso / Sugada pelos sulistas / E amputada pela consciência nacional” O verso acima trata-se de um pequeno fragmento da música “Belém, Pará, Brasil”, da extinta banda Mosaico de Ravena, que fez muito sucesso em Belém, na década de 80. Quando convidado para escrever sobre a COP 30 em […]

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“Região Norte / Ferida aberta pelo progresso / Sugada pelos sulistas / E amputada pela consciência nacional”

O verso acima trata-se de um pequeno fragmento da música “Belém, Pará, Brasil”, da extinta banda Mosaico de Ravena, que fez muito sucesso em Belém, na década de 80.

Quando convidado para escrever sobre a COP 30 em Belém, o meu ethos amazônida, fruto do nascimento e vivência na região, sentiu-se compelido a expor com maior alcance sobre quem somos e o que desejamos para essa cidade-metrópole, com cultura e culinária riquíssimas, porém pródiga em problemas urbanos de diferentes espécies.

Há quase dois anos, o plenário da COP 28 decidiu que em 2025 a cidade-sede da Conferência do Clima seria Belém. A capital do Pará enfrenta problemas que geram e agravam a latente injustiça socioespacial e climática da cidade: na coleta e tratamento de resíduos, saneamento básico, mobilidade, segregação urbana, baixo índice de arborização, entre outros.

Com seus 1.303.403 habitantes, Belém exibe desigualdade em cada esquina, e mais da metade da população reside em favelas ou comunidades urbanas, de acordo com os dados do Censo. A metrópole, que tem o título de “cidade das mangueiras”, tem um baixíssimo índice de arborização e uma temperatura que aumentou quase 2 graus centígrados nos últimos 50 anos. E isso em plena Floresta Amazônica.

Obras para quem?

Desde o primeiro momento do anúncio, criou-se uma espécie de aliança oficiosa entre os gestores das três esferas da República (presidente, governador e prefeito) em favor da realização da COP 30 em Belém. Isso tem gerado uma transferência volumosa de recursos públicos para custeio de obras de infraestrutura na cidade.

A definição sobre quais seriam estas obras, no entanto, em nenhum momento foi levada a algum fórum sério de deliberação democrática. Essa prática que agride fortemente as diretrizes da política urbana contidas no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que determina que o planejamento e a gestão urbana devem ser fruto de uma decisão democrática e participativa.

Dentre os agentes políticos envolvidos, foi o governador Helder Barbalho quem ganhou maior projeção desde a largada do processo de organização do evento, seja pela sua retórica (desconectada da realidade das ações estatais), seja pelos recursos (próprios e transferidos) que o estado do Pará vem alocando nestas polêmicas obras de infraestrutura.

Além de terem sido decididas nos gabinetes refrigerados dos tecnocratas estatais, essas obras visam, em grande medida, agradar e atrair os milhares de turistas que já estão circulando pela cidade neste momento. Trata-se de um autêntico exemplo de City Marketing, que trata a cidade como um bem a ser vendido àqueles que puderem pagar para usufruir de seus serviços, em detrimento da execução de obras e serviços que possam diminuir a desigualdade socioespacial.

Lavagem verde

As obras de infraestrutura realizadas pelo governo do estado revelam fortemente um distanciamento entre o discurso “ambientalista” do seu gestor e as ações estatais, caracterizando nítida “lavagem verde” (no termo em inglês, “greenwashing”), entendida como uma estratégia discursiva e de marketing, que tenta vender a imagem de um produto, serviço (ou cidade) como melhor para o meio ambiente do que realmente é.

O estado do Pará afirma estar agindo de modo ambientalmente sustentável e em harmonia com os pressupostos da agenda climática. Na prática, o conteúdo discursivo do poder estatal não se sustenta se o compararmos às ações concretas desenvolvidas no plano da política urbana.

Na cidade que abrigará a “COP das Florestas”, conforme discurso do governador em rede social, existe uma nítida discrepância entre a retórica ambiental e as reais práticas governamentais, nas quais visualiza-se claramente a danosa “lavagem verde”.

Duas obras viárias — a duplicação da Rua da Marinha e a construção da Avenida Liberdade — exemplificam bem essa prática: segundo o discurso oficial, elas objetivam diminuir os engarrafamentos em Belém e na sua região metropolitana, embora, na realidade, estimulem ainda mais a utilização do veículo privado (lógica de planejamento urbano que está na contramão daquilo que é praticada nas cidades mais desenvolvidas). Além disso, foram pensadas a partir de interesses empresariais ligados ao capital imobiliário.

A realização dessas obras é uma estratégia extremamente contraditória com a agenda global das mudanças do clima, porque resultarão na remoção de milhares de árvores, perda de biodiversidade e morte de centenas de animais silvestres que habitam ao longo do traçado das duas vias. Isso resultará, no futuro, no aumento da temperatura na região metropolitana e no planeta, devido à forte supressão da cobertura vegetal necessária à realização dos projetos rodoviários.

Na construção da futura Avenida Liberdade, além da expressiva supressão vegetal, seu traçado “rasga” uma Área de Proteção Ambiental (APA), pondo em sério risco o manancial de água que serve à comunidade quilombola Abacatal. Logo, a cidade da “COP das Florestas” apenas ratifica a “greenwashing” aplicada à política urbana em Belém.

Outro exemplo dessa lavagem verde da cidade é a construção dos parques lineares Nova Doca e da Avenida Tamandaré. Os locais dessas intervenções urbanísticas deixam claro que elas estão desconectadas de qualquer preocupação com a diminuição de desigualdades intraurbanas e bem distantes das diretrizes da agenda global do clima.

Os dois parques lineares estão localizados em bairros com infraestrutura consolidada e, portanto, com valor do solo urbano extremamente elevado e sujeito a forte especulação. O parque da Doca está localizado no bairro mais valorizado da cidade (Umarizal) e ambos se encontram em espaços da cidade habitados por famílias das classes A e B, conforme classificação do IBGE. Os novos parques são, portanto, mais uma ação concreta de “urban marketing” do que uma busca pela solução dos problemas da cidade.

Paradoxalmente, para os bairros e distritos majoritariamente favelizados (habitados por famílias vulnerabilizadas), nada ou muito pouco restou de ações urbanísticas para a COP 30. Mesmo quando são realizadas, as obras nessas regiões são intervenções orientadas pela lógica ortodoxa da infraestrutura cinza, desprezando-se as novas soluções urbanísticas baseadas na natureza que já são implementadas em muitas cidades no mundo. Ou seja, são obras que em nada contribuirão com a mitigação e a adaptação climática.

Belém, portanto, está sendo “vendida” para o restante do mundo para servir de palco para um evento nos qual líderes mundiais, provavelmente, não chegarão a um consenso sobre quais medidas urgentes devem ser adotadas para que sejam reduzidas as emissões de gases de efeito estufa, nem tampouco decidirão como se dará o financiamento climático aos países do sul global, que são os mais impactados pelas consequências das mudanças do clima no planeta.

Bruno Soeiro Vieira não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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A misteriosa ligação entre o herpes e o mal de Alzheimer https://webmonetizada.com/a-misteriosa-ligacao-entre-o-herpes-e-o-mal-de-alzheimer/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-misteriosa-ligacao-entre-o-herpes-e-o-mal-de-alzheimer Wed, 16 Apr 2025 03:36:58 +0000 https://webmonetizada.com/a-misteriosa-ligacao-entre-o-herpes-e-o-mal-de-alzheimer/ Diversos fatores sugerem uma forte correlação entre a presença do vírus herpes simplex no cérebro e os marcadores clássicos do Alzheimer, mas não prova que eles sejam a causa da doença. MarijaBazarova/Shutterstock Você já pode ter tido uma infecção por herpes em algum momento: pequenas bolhas que aparecem na área dos lábios, secam e desaparecem […]

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Diversos fatores sugerem uma forte correlação entre a presença do vírus herpes simplex no cérebro e os marcadores clássicos do Alzheimer, mas não prova que eles sejam a causa da doença. MarijaBazarova/Shutterstock

Você já pode ter tido uma infecção por herpes em algum momento: pequenas bolhas que aparecem na área dos lábios, secam e desaparecem depois de alguns dias, e misteriosamente reaparecem mais ou menos na mesma área algum tempo depois. Por que isso acontece?

Uma infecção que dura a vida toda

O vírus que causa o herpes pode infectar vários tipos diferentes de células, como as células epiteliais, os neurônios e linfócitos. Nas células epiteliais, ele multiplica-se e forma vesículas cheias de um fluido que contém milhões de partículas virais. Essas bolhas acabam secando e formando crostas.

Mas o patógeno também é capaz de infectar os neurônios que inervam a mesma área da pele. Ele percorre o axônio da célula nervosa até seu núcleo. Lá, ele permanece dormente ou oculto por meses ou até anos. Em um determinado momento, que geralmente coincide com um período de alguma imunossupressão, o vírus é reativado e retorna por meio das terminações nervosas para as células do epitélio da pele. Começa então uma nova infecção.

O herpes também pode ser reativado por fatores ambientais: desde mudanças de temperatura ou aumento da luz solar até alterações hormonais ou estresse.

Depois que uma pessoa contrai uma infecção por herpes, o vírus permanece no corpo por toda a vida. As lesões aparecem e desaparecem porque o herpes é capaz de estabelecer e manter uma infecção latente nos neurônios por muitos anos e depois reativar com o tempo. Além disso, eles induzem uma resposta imune crônica, levando à liberação de compostos que promovem a inflamação.

Há muitos tipos diferentes de herpes: herpes simples tipo 1 e 2, varicela-zoster, Epstein-Barr, citomegalovírus… Esses são os vírus mais comuns e persistentes em humanos. Praticamente todo mundo tem ou já teve herpes: mais de 80% das pessoas têm anticorpos contra o herpes simplex tipo 1 ou varicela-zóster, por exemplo.

Herpes e Alzheimer: correlação, mas não causalidade

A doença de Alzheimer é um distúrbio neurodegenerativo progressivo que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Ela é caracterizada pelo acúmulo extracelular de peptídeos β-amiloides (amiloidose), seguido pela superprodução de proteínas e pela formação de emaranhados de fibras proteicas no cérebro. Essa proteína, chamada tau, é localizada nos axônios dos neurônios e está ligada à estabilização do citoesqueleto dos neurônios.

A doença envolve outras alterações e processos, como neuroinflamação, rompimento da junção entre os neurônios (sinapses) e perda neuronal, desregulação metabólica e, por fim, comprometimento cognitivo e demência. Foram identificadas variantes genéticas associadas à doença, como o gene da apolipoproteína E (APOE). Ele é responsável pela síntese de uma proteína fundamental no metabolismo de lipídios e no transporte de colesterol no cérebro.

Apesar dos enormes esforços de pesquisa, as causas da doença de Alzheimer não são totalmente compreendidas; os tratamentos atuais são apenas dos sintomas e não modificam a progressão da doença. Sugeriu-se que fatores ambientais e infecciosos, especialmente infecções crônicas ou reativadas, como as causadas por herpes, podem acelerar o declínio cognitivo.

Nesse sentido, evidências crescentes sugerem que infecções por herpes simplex tipo 1 podem contribuir para o início e a progressão da neurodegeneração.

Por exemplo, vários estudos post mortem encontraram DNA de herpes simplex no cérebro de pacientes com Alzheimer, especialmente em regiões com alta deposição de β-amiloide. A frequência e a quantidade de DNA viral parecem estar correlacionadas com a gravidade do comprometimento cognitivo.

Além disso, pessoas portadoras de uma variante específica do gene APOE, que as torna mais suscetíveis à doença de Alzheimer, também são mais suscetíveis à reativação do herpes e seus efeitos neurodegenerativos. E em pesquisas com animais infectados com herpes simplex, eles desenvolvem placas β-amiloides, alterações na proteína tau e inflamação neuronal semelhantes às encontradas em pacientes com Alzheimer.

Esses resultados sugerem que o herpes pode atuar como um cofator na doença, principalmente em pessoas com predisposição genética ou sistemas imunológicos comprometidos.

A relação do herpes zoster com as células microgliais, como astrócitos e oligodendrócitos, que desempenham papéis essenciais na homeostase cerebral, também foi analisada. O mau funcionamento dessas células cerebrais desencadeia a neuroinflamação que está ligada a sintomas depressivos e a outras doenças neurológicas, como o mal de Alzheimer. O herpes pode desregular a ação dessas células gliais, levando à ativação crônica dessas células e a um estado inflamatório persistente.

Assim, o herpes pode promover a patologia do Alzheimer por meio de mecanismos inflamatórios, desmielinização (deterioração da bainha de mielina que cobre as fibras nervosas) e disfunção sináptica.

Tudo isso sugere uma forte correlação entre a presença do vírus herpes simplex no cérebro e os marcadores clássicos do Alzheimer, mas não prova que eles sejam a causa da doença. A infecção crônica latente por herpes pode contribuir para o desenvolvimento da doença neurodegenerativa, especialmente em indivíduos geneticamente suscetíveis.

Antivirais contra a doença de Alzheimer?

Surge a questão de saber se as terapias antivirais, como o aciclovir, poderiam ser uma forma de retardar a progressão da doença. Embora preliminares, os dados disponíveis sugerem efeitos positivos do tratamento antiviral na progressão da doença de Alzheimer, particularmente em infecções por herpes simplex tipo 1 e varicela-zóster.

Em modelos de laboratório com células neuronais, o aciclovir demonstrou não apenas reduzir a expressão da proteína viral, mas também reduzir os níveis de β-amiloide e proteína tau. Em camundongos infectados com herpes simplex, o tratamento com o antiviral reduz a inflamação cerebral e a perda sináptica. Além disso, vários estudos epidemiológicos mostram uma associação significativa entre o uso de antivirais e a redução do risco de demência em humanos.

No entanto, esses estudos clínicos em humanos estão em um estágio muito inicial e são necessárias mais pesquisas. Talvez, no futuro, terapias combinadas iniciais (antiviral + anti-inflamatório + neuroprotetor) possam ser usadas para prevenir ou retardar a doença.

Uma vacina contra a demência?

Há algumas evidências de que as vacinas, especialmente as vacinas vivas atenuadas, podem ter efeitos imunes benéficos além da prevenção do patógeno específico. Esta semana, um novo estudo epidemiológico publicado na revista Nature reforça a evidência de que a vacinação contra herpes-zóster reduz o risco de demência.

O que é interessante sobre esse trabalho é que ele explora um “experimento natural”. Em 2013, as autoridades de saúde do País de Gales implementaram um programa de vacinação contra herpes zoster para pessoas com mais de 80 anos. Elas decidiram que qualquer pessoa que tivesse 79 anos de idade em 1º de setembro de 2013 poderia receber a vacina, e as pessoas acima dessa idade não poderiam. Essa decisão foi a única coisa que diferenciou os vacinados dos não vacinados. Portanto, era um grupo muito homogêneo, o que, em princípio, tornaria os resultados mais valiosos.

Eles examinaram os registros de saúde durante um período de sete anos de mais de 280.000 pessoas sem demência no início do programa de vacinação e compararam a relação entre a vacinação e a demência. Os resultados foram surpreendentes: a administração da vacina reduziu o risco de demência em 20%, um efeito protetor significativamente maior nas mulheres (as mulheres têm um risco maior de desenvolver demência na velhice, e há diferenças de gênero na resposta do sistema imune às vacinas).

Talvez a vacina produza esses efeitos porque evita a neuroinflamação crônica ao impedir a reativação do vírus. Ou talvez ela ative o sistema imune que protege de forma não específica contra a demência.

Embora nem todas as demências sejam Alzheimer, o novo estudo fornece uma das evidências mais fortes de que a vacinação contra herpes-zóster reduz a demência. No entanto, ele tem algumas limitações. Em primeiro lugar, o estudo analisou apenas populações com idade em torno de 80 anos. Em segundo lugar, o estudo analisou o efeito da vacina viva atenuada Zostavax, que foi retirada do mercado devido a outros efeitos colaterais.

Recentemente, foi desenvolvida outra vacina recombinante que é mais segura e mais eficaz contra o zoster (Shingrix), e seria interessante saber se o efeito se mantém com essa nova versão.

Um campo de batalha imune

Há vários anos se levanta a hipótese de que o Alzheimer pode ter, em parte, uma origem infecciosa: vírus, bactérias ou até mesmo fungos podem desempenhar um papel direto ou indireto em seu desenvolvimento. Não apenas o herpes simplex tipo 1, mas também bactérias como Chlamydia pneumoniae ou Porphyromonas gingivalis podem promover inflamação neurotóxica crônica, favorecer a formação de placas β-amiloides ou a degeneração progressiva dos neurônios.

Isso não prova que eles sejam a causa da doença, mas, de alguma forma, favorecem ou contribuem para o desenvolvimento da doença de Alzheimer, especialmente em determinados indivíduos suscetíveis. O cérebro pode ser como um campo de batalha imune crônico no qual os patógenos podem afetar sua função.

Embora as evidências não sejam conclusivas, essa hipótese é um novo caminho complementar para pesquisas adicionais sobre novos biomarcadores e o uso de antimicrobianos ou vacinas para tratar e prevenir essa terrível doença.


A versão original deste artigo foi publicada no blog do autor, microBIO.


The Conversation

Ignacio López-Goñi não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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O álcool causa câncer, e menos de 1 drinque pode aumentar o risco – um biólogo especializado em câncer explica como https://webmonetizada.com/o-alcool-causa-cancer-e-menos-de-1-drinque-pode-aumentar-o-risco-um-biologo-especializado-em-cancer-explica-como/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-alcool-causa-cancer-e-menos-de-1-drinque-pode-aumentar-o-risco-um-biologo-especializado-em-cancer-explica-como Wed, 16 Apr 2025 03:36:53 +0000 https://webmonetizada.com/o-alcool-causa-cancer-e-menos-de-1-drinque-pode-aumentar-o-risco-um-biologo-especializado-em-cancer-explica-como/ Não há uma maneira de determinar o risco que cada pessoa correr de ter câncer causado pelo álcool. O histórico genético individual, o estilo de vida, a dieta e outros fatores de saúde de cada pessoa podem influenciar os efeitos do álcool na formação de tumores. Krit of Studio OMG/Moment via Getty Images O álcool, […]

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Não há uma maneira de determinar o risco que cada pessoa correr de ter câncer causado pelo álcool. O histórico genético individual, o estilo de vida, a dieta e outros fatores de saúde de cada pessoa podem influenciar os efeitos do álcool na formação de tumores. Krit of Studio OMG/Moment via Getty Images

O álcool, seja consumido regularmente ou apenas em ocasiões especiais, prejudica seu corpo. Desde o cérebro e o coração, passando pelos pulmões e músculos, até os sistemas gastrointestinal e imunológico, o álcool tem amplos efeitos nocivos à saúde – inclusive causa de câncer.

O álcool é a terceira principal causa evitável de câncer nos EUA, responsável por cerca de 100.000 casos de câncer e 20.000 mortes por câncer anualmente. Em comparação, os acidentes de carro relacionados ao álcool causam cerca de 13.500 mortes por ano nos EUA.

Já na década de 1980, os pesquisadores suspeitavam que o álcool pudesse causar câncer. Estudos epidemiológicos mostraram que o álcool está causalmente ligado ao câncer de cavidade oral, garganta, caixa vocal, esôfago, fígado, cólon e reto e mama. Outro estudo relatou uma associação entre consumo crônico e excessivo de álcool e câncer de pâncreas.

Em 2000, o Programa Nacional de Toxicologia dos EUA concluiu que o consumo de bebidas alcoólicas é um conhecido carcinógeno humano. Em 2012, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, que faz parte da Organização Mundial da Saúde, classificou o álcool como carcinogênico do Grupo 1, a classificação mais alta que indica que há evidências suficientes para concluir que uma substância causa câncer nas pessoas. Tanto o Centers for Disease Control and Prevention quanto o National Institutes of Health concordam que há evidências conclusivas de que o álcool causa vários tipos de câncer.

As diretrizes dietéticas dos EUA afirmam que até mesmo pequenas quantidades de álcool – menos de um único drinque por dia – aumentam o risco de câncer. Apesar disso, muitos americanos não estão cientes de que o álcool causa câncer. Uma pesquisa de 2019 constatou que menos de 50% dos adultos dos EUA estão cientes dos riscos de câncer do consumo de álcool. A Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde de 2023 constatou que mais de 224 milhões de americanos com 12 anos ou mais beberam álcool em algum momento da vida – mais de 79% das pessoas nessa faixa etária. O consumo de álcool estava aumentando mesmo antes da pandemia da COVID-19, refletindo um problema alarmante de saúde pública.

Sou um pesquisador que estuda os efeitos biológicos do consumo moderado e prolongado de álcool. Minha equipe está trabalhando para descobrir alguns dos mecanismos por trás de como o álcool aumenta o risco de câncer, incluindo danos às células imunológicas e ao fígado.

O cirurgião geral dos EUA pediu a inclusão do risco de câncer nos rótulos de advertência do álcool.

Como o álcool causa câncer?

O câncer ocorre quando as células crescem de forma incontrolável no corpo. O álcool pode levar à formação de tumores ao danificar o DNA, causando mutações que interrompem a divisão e o crescimento normais das células.

Os pesquisadores identificaram vários mecanismos associados ao álcool e ao desenvolvimento do câncer. Um relatório de 2025 do cirurgião geral dos EUA destaca quatro maneiras distintas pelas quais o álcool pode causar câncer: metabolismo do álcool, estresse oxidativo e inflamação, alterações nos níveis hormonais e interações com outros carcinógenos, como a fumaça do tabaco.

O metabolismo do álcool é o processo pelo qual o corpo decompõe e elimina o álcool. Quando o álcool é decomposto, seu primeiro subproduto é o acetaldeído, um produto químico que é classificado como carcinogênico. Os pesquisadores descobriram que certas mutações genéticas podem levar o corpo a decompor o álcool mais rapidamente, resultando em níveis mais altos de acetaldeído.

Há também evidências consideráveis de que o álcool pode fazer com que o corpo libere moléculas prejudiciais chamadas radicais livres. Essas moléculas podem danificar o DNA, as proteínas e os lipídios das células em um processo denominado estresse oxidativo. Meu laboratório descobriu que os radicais livres formados pelo consumo de álcool podem afetar diretamente a forma como as células produzem e quebram proteínas, resultando em proteínas anormais que promovem a inflamação que favorece a formação de tumores.

Copo de Snifter com líquido âmbar de lado contra fundo escuro
Reduzir o consumo de álcool pode reduzir o risco de câncer.
mordyashov_aleks/500px via Getty Images

O álcool também pode afetar diretamente os níveis hormonais de forma a aumentar o risco de câncer. Por exemplo, os estrogênios podem aumentar o risco de câncer de mama. O consumo moderado de álcool pode tanto elevar os níveis de estrogênio quanto promover o consumo adicional. O álcool também aumenta o risco de câncer de mama ao reduzir os níveis de vitamina A, um composto que regula o estrogênio.

As pessoas que bebem e fumam têm um risco elevado de desenvolver câncer de boca, faringe e laringe. O álcool facilita a absorção pelo corpo dos carcinógenos presentes nos cigarros e vaporizadores eletrônicos. O fumo por si só também pode causar inflamação e induzir radicais livres que danificam o DNA.

Quanto álcool é seguro?

Você pode estar se perguntando qual é a quantidade de álcool que pode ser consumida com segurança e evitar danos. Se você perguntar a médicos e cientistas, talvez não goste da resposta: nenhuma.

Os Centers for Disease Control and Prevention (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) e as American dietary guidelines (diretrizes dietéticas americanas) recomendam o consumo de no máximo um drinque por dia para mulheres e dois drinques para homens. O National Institute for Alcohol Abuse and Alcoholism e o U.S. surgeon general’s recent advisory têm recomendações semelhantes para limitar o consumo de álcool.

O consumo de álcool é uma causa altamente evitável de câncer. No entanto, atualmente não há uma maneira de determinar o risco pessoal de câncer causado pelo álcool. O histórico genético individual, o estilo de vida, a dieta e outros fatores de saúde de cada pessoa podem influenciar os efeitos do álcool na formação de tumores. Entretanto, repensar seus hábitos de consumo de álcool pode ajudar a proteger sua saúde e reduzir o risco de câncer.

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Pranoti Mandrekar não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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Brasil precisa equilibrar defesa de Direitos Humanos sem comprometer suas relações com regimes ‘problemáticos’ https://webmonetizada.com/brasil-precisa-equilibrar-defesa-de-direitos-humanos-sem-comprometer-suas-relacoes-com-regimes-problematicos/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=brasil-precisa-equilibrar-defesa-de-direitos-humanos-sem-comprometer-suas-relacoes-com-regimes-problematicos Wed, 16 Apr 2025 03:36:48 +0000 https://webmonetizada.com/brasil-precisa-equilibrar-defesa-de-direitos-humanos-sem-comprometer-suas-relacoes-com-regimes-problematicos/ O Brasil enfrenta desafios crescentes na defesa dos direitos humanos em um cenário global marcado pela ascensão de regimes autoritários e pela crise do multilateralismo. O sistema internacional, sustentado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e por tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos […]

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O Brasil enfrenta desafios crescentes na defesa dos direitos humanos em um cenário global marcado pela ascensão de regimes autoritários e pela crise do multilateralismo. O sistema internacional, sustentado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e por tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, tem perdido força diante da seletividade na sua aplicação por grandes potências. A política externa brasileira precisa equilibrar sua defesa histórica desses princípios sem comprometer relações comerciais e estratégicas fundamentais.

A fragilização dos mecanismos de proteção dos direitos humanos é evidente na atuação do Conselho de Direitos Humanos da ONU, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A resistência de Estados influentes, como China, Rússia e Estados Unidos, em cumprir determinações de entidades que perseguem objetivos similares, enfraquece sua credibilidade e reduz a capacidade de ação de países emergentes. A dificuldade da ONU em fazer valer as recomendações do Comitê de Direitos Humanos e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ilustra essa limitação.

Brasil teve papel importante na consolidação dos mecanismos internacionais

O Brasil, tradicionalmente defensor do multilateralismo, desempenhou um papel fundamental na consolidação de mecanismos internacionais de direitos humanos. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, o país ampliou sua adesão a tratados internacionais e fortaleceu sua participação na ONU. Em 7 de fevereiro de 2000, assinou o Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, e o ratificou em 20 de junho de 2002. O Decreto Legislativo nº 112, de 6 de junho de 2002, aprovou o tratado, enquanto o Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, incorporou o Estatuto ao ordenamento jurídico brasileiro. Em 2001, o Brasil participou da Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, reafirmando seu compromisso com a luta contra a discriminação racial e a intolerância.

Nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, a diplomacia brasileira intensificou sua presença em fóruns multilaterais e buscou equilibrar a defesa dos direitos humanos com uma política externa voltada ao fortalecimento das relações Sul-Sul. Em 2006,foi criado o Conselho de Direitos Humanos da ONU para substituir a Comissão de Direitos Humanos, e o Brasil foi eleito para exercer mandatos de 2006 a 2008 e de 2008 a 2011. Em 2007, o país assinou a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, posteriormente ratificada e finalmente promulgada em 2016 mediante o decreto nº 8.767, de 11 de maio. Em 2009, o governo lançou o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), consolidando diretrizes para a promoção dos direitos fundamentais no país e reforçando compromissos internacionais na área.

Laços econômicos com países de histórico controverso

Com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2023, houve uma retomada da presença brasileira em fóruns internacionais de direitos humanos. Em 10 de outubro de 2023, o Brasil foi eleito para um novo mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com 144 votos, marcando sua sexta participação no órgão. O governo reafirmou compromissos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris, além de reforçar a pauta ambiental e social na ONU. A retomada, com maior vigor, das relações com organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Mercosul também foi uma prioridade. Entretanto, a necessidade de manter laços econômicos com países de histórico controverso, como China e Arábia Saudita (ambos membros do BRICS+), apresenta desafios à coerência dessa política.

A China se consolidou como o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009. Em 2022, o comércio bilateral atingiu um recorde de US$ 150,5 bilhões, com exportações brasileiras totalizando US$ 89,7 bilhões e importações de US$ 60,7 bilhões. Em 20 de novembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o presidente chinês Xi Jinping em uma visita de Estado ao Brasil. Durante o encontro, foram assinados 38 acordos em áreas como agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura, reforçando os laços entre os dois países.

A Arábia Saudita também ocupa uma posição significativa como parceira comercial do Brasil no Oriente Médio. Em 2024, as exportações brasileiras para a Arábia Saudita totalizaram aproximadamente US$ 3,2 bilhões, enquanto as importações somaram cerca de US$ 3,05 bilhões. Em maio de 2024, o vicepresidente Geraldo Alckmin liderou uma comitiva de ministros em uma missão à Arábia Saudita e China, visando fortalecer as parcerias existentes e abrir novas oportunidades de negócios.

A trajetória do Brasil na promoção e defesa dos direitos humanos no cenário internacional reflete sua postura diplomática de longo prazo, ao mesmo tempo em que se equilibra entre compromissos históricos e os desafios impostos pela conjuntura geopolítica e econômica global.

A seletividade na aplicação dos direitos humanos por potências globais também influencia a política externa brasileira. A União Europeia impõe sanções a países como Rússia e Belarus (Bielorrúsia), mas mantém relações estreitas com aliados estratégicos que violam direitos fundamentais. Na OEA, Estados Unidos e Canadá pressionam governos latino-americanos (Venezuela, Nicarágua, etc.), enquanto evitam condenar abusos cometidos por aliados próximos (Colômbia, Honduras). O Brasil precisa navegar nesse cenário sem comprometer sua credibilidade e ao mesmo tempo proteger seus interesses comerciais e estratégicos.

Estratégia de equilibrar valores e pragmatismo é o desafio constante

A economia brasileira depende de parceiros comerciais com históricos problemáticos de direitos humanos. A China, maior importadora de produtos brasileiros, é alvo de críticas por sua repressão à minoria uigur e censura estatal. A aproximação do Brasil com países do Oriente Médio e da África também inclui nações com registros negativos em liberdade política e respeito aos direitos civis. A estratégia de equilibrar valores e pragmatismo é um desafio constante para a diplomacia brasileira.

Internamente, o Brasil dispõe de um arcabouço normativo robusto. A Constituição Federal de 1988 reconhece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República no artigo primeiro (art. 1, inciso III) e estabelece a prevalência dos direitos humanos como princípio das relações internacionais no artigo quarto (art. 4, II). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, conferiu aos tratados internacionais de direitos humanos status supralegal. A tradução dessas normas em políticas externas eficazes, contudo, ainda é um desafio.

A diplomacia brasileira precisa reforçar sua atuação no Conselho de Direitos Humanos da ONU e na OEA, buscando consenso em temas sensíveis e mediando conflitos internacionais. O fortalecimento de parcerias regionais proporcionaria maior autonomia na condução da política de direitos humanos, reduzindo a dependência de blocos hegemônicos. A inclusão de acadêmicos, especialistas e representantes da sociedade civil contribuiria à adoção de estratégias mais equilibradas, evitando instrumentalizações políticas do tema. Negociar cláusulas de direitos humanos em tratados comerciais também fortaleceria o compromisso do Brasil sem impor barreiras ao comércio exterior. Vincular essa pauta a políticas ambientais e sociais ampliaria a aceitação global da defesa dos direitos fundamentais, facilitando a inserção e consolidação do Brasil em fóruns internacionais.

O governo Lula busca reposicionar o Brasil como protagonista no debate internacional sobre direitos humanos, mas enfrenta limitações impostas pela realidade geopolítica. Para que essa estratégia seja eficaz, é necessário combinar princípios com pragmatismo, garantindo que o país preserve sua soberania sem renunciar a sua histórica defesa da dignidade humana. O equilíbrio entre essas forças determinará o sucesso da política externa brasileira nos próximos anos.

Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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Por que os meteoritos que caem na Terra têm menos água que as amostras de asteroides trazidas por sondas espaciais https://webmonetizada.com/por-que-os-meteoritos-que-caem-na-terra-tem-menos-agua-que-as-amostras-de-asteroides-trazidas-por-sondas-espaciais/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-os-meteoritos-que-caem-na-terra-tem-menos-agua-que-as-amostras-de-asteroides-trazidas-por-sondas-espaciais Wed, 16 Apr 2025 03:36:42 +0000 https://webmonetizada.com/por-que-os-meteoritos-que-caem-na-terra-tem-menos-agua-que-as-amostras-de-asteroides-trazidas-por-sondas-espaciais/ Imagem sobrepondo mais de 100 “bolas de fogo” registradas entre 2016 e 2020: fenômeno é produzido pela passagem de rochas espaciais pela atmosfera da Terra. As que sobrevivem à jornada são denominadas meteoritos e trazem informações importantes sobre as origens do Sistema Solar Desert Fireball Network Muito do que os cientistas sabem sobre o início […]

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Imagem sobrepondo mais de 100 “bolas de fogo” registradas entre 2016 e 2020: fenômeno é produzido pela passagem de rochas espaciais pela atmosfera da Terra. As que sobrevivem à jornada são denominadas meteoritos e trazem informações importantes sobre as origens do Sistema Solar Desert Fireball Network

Muito do que os cientistas sabem sobre o início do Sistema Solar vem dos meteoritos – rochas antigas que viajam pelo espaço e sobrevivem ao mergulho incinerante na atmosfera da Terra. Entre os meteoritos, os de um tipo chamado condritos carbonáceos destacam-se como os mais primitivos e oferecem um vislumbre único da infância do Sistema Solar.

Os condritos carbonáceos são ricos em água, carbono e compostos orgânicos. Eles são “hidratados”, o que significa que contêm água ligada aos minerais da rocha. Os componentes da água estão presos em estruturas cristalinas. Muitos pesquisadores acreditam que essas rochas antigas desempenharam um papel crucial no fornecimento de água para a Terra primitiva.

Antes de atingir a Terra, as rochas que viajam pelo espaço são geralmente chamadas de asteroides, meteoroides ou cometas, dependendo de seu tamanho e composição. Se um pedaço de um desses objetos chega até a Terra, ele se torna um “meteorito”.

A partir da observação de asteroides com telescópios, os cientistas sabem que a maioria dos asteroides tem composições carbonáceas e ricas em água. Os modelos científicos preveem que a maioria dos meteoritos – mais da metade – também deve ser carbonácea. Mas menos de 4% de todos os meteoritos encontrados na Terra são carbonáceos. Então, por que existe essa discrepância?

Em um estudo publicado na revista Nature Astronomy em 14 de abril de 2025, meus colegas cientistas planetários e eu tentamos responder a uma pergunta antiga: onde estão todos os condritos carbonáceos?

Missões de busca de amostras

O desejo dos cientistas de estudar essas rochas antigas impulsionou as recentes missões espaciais de busca de amostras. As sondas OSIRIS-REx, da Nasa, e Hayabusa2, da Agência Espacial do Japão (JAXA), mudaram o que os pesquisadores sabem sobre asteroides primitivos e ricos em carbono.

Os meteoritos encontrados no solo são expostos à chuva, neve e plantas, o que pode alterá-los significativamente e dificultar a análise. Assim, a missão OSIRIS-REx se aventurou até o asteroide Bennu para recuperar uma amostra inalterada. A coleta dessa amostra permitiu que os cientistas examinassem a composição do asteroide em detalhes.

Da mesma forma, a jornada da Hayabusa2 até o asteroide Ryugu forneceu amostras intocadas de outro asteroide igualmente rico em água.

Juntas, essas missões permitiram que cientistas planetários como eu estudassem os materiais carbonáceos frágeis e imaculados de asteroides. Esses asteroides são uma janela direta para os blocos de construção do nosso Sistema Solar e para as origens da vida.

Um asteroide rochoso e empoeirado contra um fundo escuro.
Asteroide carbonáceo próximo à Terra, Bennu, visto da sonda que foi buscar amostras dele, a OSIRIS-REx, da Nasa.
NASA

O quebra-cabeça dos condritos carbonáceos

Durante muito tempo, os cientistas presumiram que a atmosfera da Terra “filtrava” os detritos carbonáceos dos meteoritos.

Quando um objeto atinge a atmosfera da Terra, ele precisa sobreviver a altas pressões e temperaturas. Os condritos carbonáceos tendem a ser mais frágeis e mais quebradiços do que outros meteoritos, portanto, esses objetos simplesmente não têm tanta chance de sobreviver.

Os meteoritos geralmente iniciam sua jornada até a Terra quando dois asteroides colidem. Essas colisões criam um monte de fragmentos de rocha de centímetros a metros de tamanho. Essas migalhas cósmicas atravessam o Sistema Solar e podem, eventualmente, cair na Terra. Quando são menores que um metro, os cientistas os chamam de meteoroides.

Os meteoroides são pequenos demais para serem vistos pelos pesquisadores com um telescópio, a menos que estejam prestes a atingir a Terra e os astrônomos tenham sorte.

Mas há outra maneira pela qual os cientistas podem estudar essa população de rochas espaciais e, por sua vez, entender por que os meteoritos têm composições tão diferentes.

Redes de observação de meteoros e bolas de fogo

Nossa equipe de pesquisa usou a atmosfera da Terra como nosso detector.

A maioria dos meteoroides que chegam à Terra são partículas minúsculas, do tamanho de areia, mas, ocasionalmente, corpos de até dois metros de diâmetro nos atingem. Os cientistas estimam que cerca de 5 mil toneladas métricas de micrometeoritos chegam na Terra anualmente. E, a cada ano, entre 4 mil e 10 mil meteoritos grandes – do tamanho de bolas de golfe ou maiores – atingem a Terra. São mais de 20 por dia.

Uma bola de fogo observada pela rede FRIPON na Normandia, França, em 2019.

Atualmente, as câmeras digitais tornaram as observações do céu noturno 24 horas por dia práticas e acessíveis. Sensores de baixo custo e alta sensibilidade e softwares de detecção automatizada permitem que os pesquisadores monitorem grandes áreas do céu noturno em busca de flashes brilhantes, que sinalizam um meteoroide atingindo a atmosfera.

As equipes de pesquisa podem examinar essas observações em tempo real usando técnicas de análise automatizadas – ou um estudante de doutorado muito dedicado – para encontrar informações valiosas.

Nossa equipe gerencia dois sistemas globais: o FRIPON, uma rede liderada pela França com estações em 15 países; e o Global Fireball Observatory, uma colaboração iniciada pela equipe por trás da Desert Fireball Network na Austrália. Junto a outros conjuntos de dados de acesso aberto, meus colegas e eu usamos as trajetórias de quase 8 mil impactos observados por 19 redes de observação espalhadas por 39 países.

Uma câmera, que parece uma esfera de vidro, presa a um suporte de metal em uma grade com vista para as montanhas.
Câmera da rede FRIPON instalada no Observatório Pic du Midi, nos Pirineus franceses.
FRIPON

Ao comparar todos os impactos de meteoroides registrados na atmosfera da Terra com aqueles que atingem a superfície como meteoritos, podemos identificar quais asteroides produzem fragmentos fortes o suficiente para sobreviver à jornada. Ou, ao contrário, também podemos identificar quais asteroides produzem materiais frágeis que não aparecem com tanta frequência na Terra como meteoritos.

Um painel mecânico em um deserto na Austrália
Observatório remoto automatizado da Desert Fireball Network no sul da Austrália.
The Desert Fireball Network

O Sol está “assando” as rochas

Surpreendentemente, descobrimos que muitos pedaços de asteroides nem chegam à Terra. Algo começa a remover o material frágil enquanto o fragmento ainda está no espaço. O material carbonáceo dos asteroides e meteoroides, que não é muito durável, provavelmente é decomposto pelo estresse térmico quando sua órbita o leva para perto do Sol.

À medida que os condritos carbonáceos orbitam perto e depois longe do Sol, as variações de temperatura formam rachaduras em seu material. Esse processo efetivamente fragmenta e remove pedras fracas e hidratadas da população de objetos próximos à Terra. E tudo o que resta após essa rachadura térmica ainda terá de sobreviver à passagem pela atmosfera da Terra.

Apenas 30% a 50% dos objetos restantes sobrevivem à jornada atmosférica e se tornam meteoritos. Os fragmentos de detritos cujas órbitas os aproximam do Sol tendem a ser significativamente mais duráveis, o que os torna muito mais propensos a sobreviver à difícil viagem pela atmosfera da Terra. Chamamos isso de viés de sobrevivência.

Durante décadas, os cientistas presumiram que a atmosfera da Terra, por si só, explicava a escassez de meteoritos carbonáceos, mas nosso trabalho indica que grande parte da remoção dos compostos carbonáceos ocorre antes, ainda no espaço.

No futuro, novos avanços científicos poderão ajudar a confirmar essas descobertas e identificar melhor as composições dos meteoritos. Os cientistas precisam melhorar o uso de telescópios para detectar objetos logo antes de atingirem a Terra. Uma modelagem mais detalhada de como esses objetos se fragmentam na atmosfera também pode ajudar os pesquisadores a estudá-los.

Por fim, estudos futuros podem criar métodos melhores para identificar do que são feitas essas bolas de fogo usando as cores dos meteoros.

The Conversation

Patrick M. Shober recebeu financiamento do programa de pesquisa e inovação Horizon 2020 da União Europeia sob o programa Marie Skłodowska-Curie nº 945298. Ele atualmente recebe financiamento do Programa de Pós-Doutorado da Nasa.

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A máfia dos postos: o boom do mercado negro de biocombustíveis e petróleo no Brasil https://webmonetizada.com/a-mafia-dos-postos-o-boom-do-mercado-negro-de-biocombustiveis-e-petroleo-no-brasil/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-mafia-dos-postos-o-boom-do-mercado-negro-de-biocombustiveis-e-petroleo-no-brasil Wed, 16 Apr 2025 03:36:37 +0000 https://webmonetizada.com/a-mafia-dos-postos-o-boom-do-mercado-negro-de-biocombustiveis-e-petroleo-no-brasil/ No Rio de Janeiro, veículos da polícia fecham um posto de gasolina pirata que usava logotipos falsos e vendia combustível adulterado: Foto: Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, CC BY No início deste ano, a Polícia Federal brasileira revelou uma complexa rede criminosa que se infiltrou nas redes de distribuição de combustíveis do […]

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No Rio de Janeiro, veículos da polícia fecham um posto de gasolina pirata que usava logotipos falsos e vendia combustível adulterado: Foto: Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, CC BY

No início deste ano, a Polícia Federal brasileira revelou uma complexa rede criminosa que se infiltrou nas redes de distribuição de combustíveis do país. O que pareciam ser postos de gasolina comuns eram, na verdade,pontos de uma grande máquina de lavagem de dinheiro utilizando diesel e etanol para transformar dinheiro sujo em recursos, aparentemente, legítimos.

Segundo o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, mais de 1.000 postos de combustíveis em todo o país estavam sob o controle de organizações criminosas. A trama se intensificou alguns meses depois, quando a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro lançou operações em larga escala contra a chamada “máfia dos combustíveis”, desmantelando um esquema que vendia milhões de litros de combustíveis adulterados. A operação revelou como empresas de fachada escondiam fluxos financeiros ilícitos, investigadores corruptos ignoravam irregularidades, e uma rede de empresas fantasmas emitia notas fiscais falsas.

Em todo o Brasil, o crime organizado vem se diversificando para além do narcotráfico, tráfico de armas e crimes ambientais, penetrando na economia formal, incluindo os setores de biocombustíveis e combustíveis fósseis. Facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e milícias formadas por policiais da ativa e aposentados estão expandindo suas operações para incluir roubo de combustível, contrabando, evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

Essa mudança do submundo do crime brasileiro evidencia sua capacidade de adaptação ao explorar mercados legítimos e diversificar suas fontes de renda. Além disso, representa uma ameaça direta à segurança pública, à estabilidade econômica, ao meio ambiente e à própria governança democrática.

A indústria de combustíveis é um alvo atrativo para o crime organizado, justamente por seu alto fluxo de caixa, demanda constante e facilidade de manipulação. Este não é um problema novo. Na verdade, os principais distribuidores de combustíveis do Brasil, como Ale, BR, Ipiranga e Raízen,já alertaram sobre a infiltração criminosa. Os custos dessas atividades ilegais são significativos. Segundo o Instituto Combustível Legal (ICL), os lucros ilegais gerados por postos de gasolina chegaram a R$ 23 bilhões(US$ 3,89 bilhões) em 2021.

Um estudo de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)revelou que organizações criminosas movimentaram aproximadamente R$ 146,8 bilhões (cerca de US$ 25,4 bilhões) em setores como combustíveis, ouro, cigarros e bebidas. O setor de combustíveis e lubrificantes, sozinho, representou cerca deR$ 61,4 bilhões (US$ 10,2 bilhões),superando as receitasdo tráfico de cocaína.

um estudo de 2024 constatou que os prejuízos com roubo de cargas, assaltos relacionados a combustíveis e fraudes geraram perdas anuais de R$ 29 bilhões, e a Vibra Energia estimou que cerca de 13 bilhões de litros de combustível estavam sendo comercializados por meios “irregulares”.

Grupos criminosos organizados empregam diversas estratégias para explorar o setor de combustíveis. A mais amplamente relatada envolve o uso de postos de gasolina “piratas” — estabelecimentos que desrespeitam normas de segurança e vendem combustível adulterado e roubado.

Investigações policiais revelaram centenas de postos ligados a pessoas indiciadas ou condenadas por crimes relacionados a combustíveis, desde 2015. Em 2019, por exemplo, a BR removeu730 postos de sua rede suspeitos de envolvimento em “irregularidades”. Em 2023, o PCC teria ampliado sua influência para cinco usinas de etanol e aproximadamente 1.100 dos 9.000 postos de São Paulo, representando mais de 12% do total do estado.

Em 2024, a polícia afirmou que até 30 postos de gasolina no Rio de Janeiro estavam sob controle do PCC. Paralelamente, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) informou que as infrações relacionadas ao uso de metanol — substância tóxica comumente usada para adulterar combustíveis — aumentaram em mais de 73% no ano anterior.

Fraude e evasão fiscal também são táticas comuns usadas pelo crime organizado no setor de combustíveis. No Brasil, os impostos sobre o etanol variam de estado para estado. Essas discrepâncias criam incentivos para grupos criminosos comprarem combustível em estados com impostos mais baixos e revenderem em estados com impostos mais altos, lucrando com a diferença.

Um estudo de 2019 realizado pela FGV estimou que a evasão fiscal relacionada a combustíveis gerou R$ 7,2 bilhões (US$ 1,3 bilhão), com grandes lucros para donos de postos que lavavam dinheiro. Há ainda esquemas envolvendo fraude tributária na produção de combustível e importações ilegais de diesel. Um caso de destaque envolveu a empresa Copape, que vendia combustível abaixo do preço de mercado ao sonegar impostos de importação e adulterar o produto. A empresa foi posteriormente fechada em meio a acusações de ligação com o PCC.

Outra estratégia comum adotada por grupos criminosos envolve o roubo direto de dutos. No Brasil, assim como no México, organizações criminosas extraem combustível diretamente de oleodutos. Essa prática geralmente leva a grandes prejuízos econômicos e representa riscos ambientais e de segurança pública. As quadrilhas frequentemente instalam desvios clandestinos nos oleodutos para extrair o combustível.

Esse processo requer conhecimento preciso da rede de dutos, sugerindo possível conivência de pessoas de dentro do sistema. Em 2019, por exemplo, a Petrobras identificou mais de 261 ocorrências desse tipo no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio, a polícia também descobriu um sistema de tubulações subterrâneas próximo à refinaria de Duque de Caxias usado para extrair petróleo cru. O combustível roubado era então revendido por canais ilícitos ou misturado com suprimentos legalizados.

Há também registros de ataques diretos a funcionários e à infraestrutura, embora esses incidentes sejam menos noticiados. Em 2019, por exemplo, mais de 40 pessoas foram presas no Rio de Janeiro sob suspeita de extorquir e assassinar prestadores de serviços da Petrobras. O grupo foi descrito como altamente organizado, com divisões específicas para intimidação, ataques a dutos, transporte de combustível e monitoramento das ações policiais. Segundo pesquisadores, o combustível roubado é frequentemente vendido a empresas de asfalto, donos de postos clandestinos e outros.

A consolidação do crime organizado nos biocombustíveis, como açúcar e óleo de palma, levou a confrontos diretos com autoridades estatais. Em agosto de 2024, 59 mil hectares de plantações de cana-de-açúcar em São Paulo foram destruídos por incêndios, gerando prejuízos superiores a R$ 1 bilhão. As autoridades suspeitam que o PCC tenha orquestrado os incêndios criminosos como retaliação a medidas governamentais que visavam o combate ao comércio de combustível adulterado.

Em fevereiro de 2025, autoridades no Rio de Janeiro revelaram que operadores de uma rede ilegal de jogo do bicho também estavam financiando a extração criminosa de petróleo de dutos subterrâneos. Os lucros do esquema eram usados para adquirir equipamentos, alugar veículos para transporte de combustível e pagamento de pessoal envolvido na operação.

O setor de biocombustíveis também foi manchado por práticas ilícitas, principalmente trabalhistas e infiltração de grupos criminosos. Em 2022, por exemplo, inspeções federais encontraram condições análogas à escravidão entre trabalhadores em plantações de cana-de-açúcar que abasteciam grandes produtores de etanol. Os trabalhadores eram submetidos a condições deploráveis, incluindo moradias inadequadas, longas jornadas de deslocamento e descanso reduzido. Tal exploração viola direitos humanos fundamentais e compromete a credibilidade da sustentabilidade da indústria de biocombustíveis no Brasil. Ao mesmo tempo, facções criminosas como o Comando Vermelho (CV) infiltraram-se na produção de palma em estados como o Pará, aumentando a exposição desta cadeia de suprimentos.

A proliferação de postos ilegais e a distribuição de combustível adulterado colocam em risco a segurança pública e minam a confiança do consumidor. As receitas substanciais geradas por essas atividades também fortalecem organizações criminosas, permitindo-lhes expandir sua influência e perpetuar ciclos de violência e corrupção.

A longo prazo, a queda na arrecadação de impostos pode prejudicar os investimentos públicos em serviços essenciais e infraestrutura, agravando as disparidades sociais e econômicas locais. Vale destacar que a adulteração de combustíveis é generalizada, e não exclusiva do crime organizado. Devido aos altos preços do biodiesel, muitos distribuidores vendem o produto com uma mistura abaixo do exigido entre biodiesel e diesel fóssil.

Prevenir e desarticular a infiltração do crime organizado no setor de combustíveis é um desafio. Processos judiciais se arrastam por anos, permitindo que operações ilícitas continuem em atividade. Os esforços dos distribuidores para encerrar contratos de franquia com operadores não conformes frequentemente esbarram em longas disputas judiciais.

A sofisticação e adaptabilidade das organizações criminosas brasileiras também dificultam a fiscalização. A mescla de atividades ilícitas com operações empresariais legítimas torna particularmente difícil para as autoridades distinguirem empresas legais daquelas que adotam práticas ilegais.

Para fazer frente a esse cenário, os governos federal e estaduais precisam ter capacidade básica para rastrear postos e dutos implicados em crimes. É fundamental fortalecer os marcos regulatórios e aprimorar os mecanismos de fiscalização. Tecnologias de rastreamento avançadas que aumentem a transparência na cadeia de suprimentos de combustíveis podem dificultar a entrada de produtos adulterados ou roubados no mercado. No entanto, isso exige o compartilhamento de inteligência e boas práticas entre jurisdições, o que possui desafios práticos bastante elevados. Uma resposta promissora vem do Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), que ampliou suas inspeções em bombas de combustível e na qualidade dos produtos.

Diante das ameaças crescentes em toda a cadeia de suprimentos de combustíveis fósseis e biocombustíveis no Brasil, empresas como a Petrobras também reforçaram suas medidas de segurança para proteger dutos, refinarias, sistemas de transporte e postos. Sistemas de vigilância avançados, incluindo drones e sensores, estão sendo usados por sua subsidiária, a Transpetro, para monitorar a integridade dos dutos. Equipes de resposta especializadas também foram criadas para detectar e conter ligações clandestinas.

A Petrobras e a Transpetro ampliaram a colaboração com forças de segurança estaduais e federais para combater células do crime organizado envolvidas em roubo e tráfico de combustíveis. Em áreas de alto risco, especialmente próximas a grandes refinarias como a de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, operações conjuntas com as forças policiais resultaram em prisões e apreensões de equipamentos ilegais usados por quadrilhas para perfurar os dutos. A Petrobras investiu em mecanismos internos de conformidade, auditoria e rastreabilidade de combustíveis para acompanhar melhor o movimento dos produtos e evitar ameaças internas e desvios para o mercado ilícito. A empresa também firmou parcerias com agências reguladoras, como a ANP, para reforçar a fiscalização de postos de combustíveis e transportadoras suspeitas de facilitar a revenda de combustível adulterado ou roubado.

A longo prazo, são necessárias legislações e regulamentações que aumentem as penas para crimes deste ecossistema. Reformas legais, incluindo um novo projeto de lei aprovado em abril de 2025, miram empresas que sistematicamente sonegam impostos. Outro projeto em discussão obrigaria o envio eletrônico em tempo real de dados de vendas e armazenamento de combustíveis à ANP, com o objetivo de aumentar a rastreabilidade.

Uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a relação entre o crime organizado e o setor de combustíveis também está em discussão. Além disso, a Polícia Federal, em conjunto com o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e autoridades fiscais, prepara uma investigação amplasobre essas atividades.

No fim das contas, a infiltração do crime organizado nos setores de combustíveis fósseis e biocombustíveis do Brasil representa uma ameaça não apenas à segurança pública, mas também às instituições democráticas. As vastas receitas ilícitas geradas por meio de roubo de combustíveis, evasão fiscal e exploração trabalhista permitem que redes criminosas ampliem sua influência nos sistemas político, judiciário e regulatório. Isso enfraquece o Estado de Direito, distorce mercados e corrói a confiança pública. Enfrentar esse problema exige mais do que ações pontuais de repressão — requer uma estratégia nacional coordenada com apoio da cooperação internacional.

Cadeias de suprimentos transparentes, fiscalização eficaz, reguladores fortalecidos e proteção aos trabalhadores são essenciais. Sem uma ação urgente e sustentada, o crime organizado continuará drenando o futuro do Brasil, enfraquecendo um de seus setores mais estratégicos.

The Conversation

Dr. Robert Muggah é o cofundador do Instituto Igarapé e do SecDev. Ele também é membro da Princeton University e é Robert von Weizsäcker Fellow na Robert Bosch Academy. Desde 2022, ele coordena a Global Task Force on Predictive AI.

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“Pílula do exercício” engana o corpo para queimar gordura e melhorar a resistência https://webmonetizada.com/pilula-do-exercicio-engana-o-corpo-para-queimar-gordura-e-melhorar-a-resistencia/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pilula-do-exercicio-engana-o-corpo-para-queimar-gordura-e-melhorar-a-resistencia Tue, 15 Apr 2025 04:04:54 +0000 https://webmonetizada.com/pilula-do-exercicio-engana-o-corpo-para-queimar-gordura-e-melhorar-a-resistencia/ O impacto da “pílula do exercício” pode ir além dos limites da medicina. Embora possa melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças metabólicas, ela também apresenta riscos sociais. Um deles é a percepção errônea de que o exercício não é mais necessário. SvetlanaParnikova/Shutterstock Imagine por um momento que você pudesse obter os benefícios […]

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O impacto da “pílula do exercício” pode ir além dos limites da medicina. Embora possa melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças metabólicas, ela também apresenta riscos sociais. Um deles é a percepção errônea de que o exercício não é mais necessário. SvetlanaParnikova/Shutterstock

Imagine por um momento que você pudesse obter os benefícios do exercício sem mover um único músculo. Pode parecer ficção científica, mas uma equipe de pesquisadores desenvolveu um composto que pode imitar os efeitos do treinamento físico. Seu nome é SLU-PP-332, e estudos recentes mostraram que ele pode ativar vias metabólicas semelhantes às do exercício, fazendo com que o corpo funcione como se estivesse no meio de um treino.

Pesquisa publicada na ACS Chemical Biology em 2023 revelou que esse composto ativa os receptores ERR (α, β e γ), principais reguladores do metabolismo energético. Dessa forma, ele aumenta a eficiência mitocondrial e promove a queima de gordura. Em testes com camundongos, os animais tratados correram 70% mais tempo e 45% mais longe em comparação com aqueles que não receberam o composto. Isso se deve a uma mudança na composição muscular, com um aumento nas fibras musculares do tipo IIa, típicas de atletas de resistência.

De acordo com o pesquisador Thomas Burris, professor de farmácia da Saint Louis University, na Flórida (EUA), “esse composto diz ao músculo esquelético para fazer as mesmas alterações observadas durante o treinamento de resistência”.

Entretanto, os efeitos do SLU-PP-332 vão além da resistência. Em 2024, outro estudo publicado no Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics mostrou que o composto poderia ajudar no tratamento da obesidade e da síndrome metabólica.

Quando administrado a camundongos obesos por um mês, eles perderam 12% do peso corporal e acumularam 10 vezes menos gordura, sem alterar a dieta ou os níveis de atividade. Eles também melhoraram sua sensibilidade à insulina, uma descoberta promissora para o diabetes.

Há também indicações de que o composto pode ter efeitos sobre o coração e o cérebro. Na reunião anual da American Chemical Society em 2024, os pesquisadores relataram que compostos como o SLU-PP-332 poderiam fortalecer o coração em caso de insuficiência cardíaca e ter propriedades neuroprotetoras em doenças como o Alzheimer.

Quando a “pílula do exercício” estará disponível?

Apesar dos avanços, o composto ainda está longe de estar disponível para a sociedade. Ele só foi testado em células e modelos animais e portanto, por enquanto, não pode ser usado em seres humanos.

O desenvolvimento de medicamentos é um processo longo. De acordo com Burris, são necessários mais estudos de segurança e eficácia, otimização de sua administração (atualmente em injeções) e testes em humanos antes de chegar ao público em geral. “Levar isso para os seres humanos exige tempo”, adverte o coautor Bahaa Elgendy. Os especialistas estimam que pode demorar uma década até sua comercialização.

Para acelerar o processo, os cientistas fundaram a startup Pelagos Pharmaceuticals, que tem como objetivo levar o SLU-PP-332 a testes clínicos. Atualmente, versões melhoradas estão sendo testadas em modelos de obesidade, insuficiência cardíaca e insuficiência renal, além de explorar seu potencial em doenças neurodegenerativas.

Como o nosso corpo reagiria ao SLU-PP-332?

Se aprovada, a “pílula do exercício” poderá ter efeitos fisiológicos significativos. Os possíveis benefícios incluem:

  • Metabolismo aprimorado: ela aumenta a queima de gordura e o gasto energético basal, o que poderia ser útil no tratamento da obesidade e do diabetes.

  • Manutenção da massa muscular: em estudos com animais, evitou a perda muscular, o que poderia ajudar pessoas com mobilidade reduzida ou adultos mais velhos.

  • Maiores benefícios em órgãos vitais: a ativação dos receptores ERR pode fortalecer o coração e ter efeitos neuroprotetores.

Por outro lado, embora melhore o metabolismo e a resistência, não fortalece os ossos e as articulações, nem é conhecido por reproduzir os benefícios psicológicos do exercício, como a redução do estresse ou a melhora do humor.

Portanto, com o que foi testado até agora, não se pode dizer que esse composto possa substituir completamente o exercício.

Efeitos além da medicina

O impacto dessa “pílula do exercício” pode ir além dos limites da medicina. Embora possa melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças metabólicas, ela também apresenta riscos sociais.

Um deles é a percepção errônea de que o exercício não é mais necessário. Se for comercializada como uma solução fácil, algumas pessoas podem abandonar a atividade física, o que pode prejudicar a cultura do esporte e levar a problemas de saúde associados a um estilo de vida sedentário.

Outra preocupação seria o seu possível abuso em esportes competitivos. No passado, compostos como GW501516 e AICAR, que também aumentavam a resistência, foram proibidos pela Agência Mundial Antidoping.

Se o SLU-PP-332 se mostrar eficaz em humanos, é provável que seja proibido em competições, e as agências antidoping teriam de desenvolver testes específicos para detectá-lo.

Também há dúvidas sobre a acessibilidade. Como acontece com tratamentos inovadores, seu custo inicial provavelmente será alto, o que pode levar a desigualdades entre os que podem pagar e os que não podem.

Além disso, surge a pergunta: os sistemas de saúde devem cobri-lo? Se for usado para tratar doenças graves, o financiamento pode ser justificado. Mas se for simplesmente para melhorar o desempenho físico, sua cobertura seria questionável.

Se aprovado, a sociedade deve decidir como integrá-lo de forma responsável. As próximas fases da pesquisa serão fundamentais para definir se esse composto será um aliado da saúde ou uma desculpa para a inatividade. Trata-se de uma revolução ou de um conforto perigoso? O tempo e a ciência darão a última palavra.

The Conversation

Álvaro Carmona não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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Como funciona a economia do cuidado: de tarefa natural a trabalho reconhecido e valorizado https://webmonetizada.com/como-funciona-a-economia-do-cuidado-de-tarefa-natural-a-trabalho-reconhecido-e-valorizado/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-funciona-a-economia-do-cuidado-de-tarefa-natural-a-trabalho-reconhecido-e-valorizado Tue, 15 Apr 2025 04:04:49 +0000 https://webmonetizada.com/como-funciona-a-economia-do-cuidado-de-tarefa-natural-a-trabalho-reconhecido-e-valorizado/ Cuidar é um ato essencial. É garantir o bem-estar e sustentar a vida de outra pessoa, o que envolve, entre tantas tarefas, atividades como preparar a comida, dar o banho. Durante a pandemia de Covid-19, essa dimensão do cotidiano ganhou visibilidade e urgência. Mas, passado o momento crítico, o cuidado rapidamente voltou a ser tratado […]

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Cuidar é um ato essencial. É garantir o bem-estar e sustentar a vida de outra pessoa, o que envolve, entre tantas tarefas, atividades como preparar a comida, dar o banho. Durante a pandemia de Covid-19, essa dimensão do cotidiano ganhou visibilidade e urgência. Mas, passado o momento crítico, o cuidado rapidamente voltou a ser tratado como algo natural, quase instintivo, e próprio das relações familiares — quando, na verdade, é trabalho. Um trabalho fundamental, mas historicamente invisibilizado, desvalorizado e profundamente marcado por hierarquias de gênero, classe e raça.

A partir da premissa de que o cuidado é trabalho, colegas e eu conduzimos uma ampla pesquisa internacional sobre seu provimento, marcado por custos elevados e profundas desigualdades. O objetivo foi entender como diferentes sociedades organizam a oferta de cuidado remunerado, como a pandemia afetou essa ordem e de que modo, sob distintos regimes de bem-estar, as formas de organização social do cuidado no pós-pandemia se reconfiguraram. Buscamos mapear quem cuida, em que condições e com quais vínculos, revelando os contornos deste campo de trabalho.

No centro da nossa análise esteve o reconhecimento da heterogeneidade das formas que o trabalho de cuidar pode assumir. Foi essa diversidade que nos levou à necessidade de construir uma tipologia capaz de organizar esse campo múltiplo, marcado por diferentes arranjos e intensidades. Chamamos essa proposta de “halos do cuidado” — uma imagem que remete à ideia de camadas concêntricas, nas quais variam a intensidade, a pessoalidade e a domesticidade do cuidado prestado.

A tipologia permite classificar as ocupações segundo três critérios fundamentais: o tipo de interação (direta ou indireta), a frequência (recorrente ou eventual) e o espaço em que o cuidado se realiza (doméstico ou não doméstico). De acordo com esses parâmetros, identificamos cinco grandes grupos ocupacionais, organizados segundo o grau de proximidade com quem recebe cuidado — do mais próximo ao mais distante da relação pessoal e cotidiana.

Modelo brasileiro aprofunda desigualdades

A aplicação dessa metodologia ao caso brasileiro trouxe informações contundentes. Em 2023, o trabalho de cuidado remunerado mobilizava cerca de 25 milhões de pessoas — o equivalente a um quarto da força de trabalho do país. No núcleo mais íntimo, denso e cotidiano desse mercado — o cuidado doméstico, direto e recorrente — predominavam, de forma marcante, as mulheres negras. Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – IBGE), elas representavam 62% das trabalhadoras do cuidado direto e 61% do cuidado indireto realizados no domicílio. E são justamente essas trabalhadoras que enfrentam as condições mais adversas: remunerações baixas (menos de sete dólares por hora, em média), jornadas extensas e escassa proteção social. A formalização é mínima. Apenas 21% das mulheres que prestam cuidado direto no domicílio estão inscritas na Previdência. No caso do cuidado indireto doméstico, esse percentual é similar: meros 25%.

A comparação com outros países torna ainda mais evidente o caráter estruturante dessas desigualdades. Na França, por exemplo, o provimento do cuidado externalizou-se largamente em relação ao domicílio, deslocando as atividades de cuidado do âmbito doméstico para instituições ou serviços organizados fora das residências. Esse processo implica a transferência, parcial ou total, do cuidado familiar para arranjos públicos ou mercantis, mediado por políticas, organizações e vínculos formais de trabalho. Neste país europeu, o Estado desempenha papel central no financiamento e regulamentação do cuidado, sobretudo nas áreas de saúde e educação infantil. Ali, o mercado é intermediado por empresas e associações, mas o trabalho é regulado, há exigência de certificações e a ele se associam direitos e proteções. Na Colômbia, diferentemente, destaca-se o peso do mercado, onde é forte a presença de contratos por tarefa em um contexto de baixa participação estatal.

O Brasil parece configurar um outro arranjo: entre nós, chama a atenção o papel das famílias na contratação direta de cuidadoras e trabalhadoras domésticas. Ao mesmo tempo, assistimos ao avanço rápido de intermediadores do trabalho domiciliar, como empresas-plataforma e serviços de homecare. É um crescimento que ainda escapa às estatísticas oficiais, mas reconfigura silenciosamente o campo do cuidado.

Isso cria uma situação ambígua: se é certo que somos um país onde os valores “familistas” são muito fortes, e estão sublinhados na própria Constituição, os dados também indicam a presença significativa do Estado nas áreas institucionalizadas do cuidado. Ainda assim, persiste a contratação direta de mulheres, majoritariamente negras e pobres, mobilizadas no cuidado cotidiano que se faz nas residências. Em outras palavras, vivemos um processo em que a mercantilização do cuidado parece não ter a equivalente externalização das tarefas em relação ao domicílio, um modelo que não apenas mantém, mas aprofunda as desigualdades de classe, raça e gênero.

O estudo também mostra que há uma forte polarização nas condições de trabalho nos diferentes “halos” do cuidado. À medida que nos afastamos do cuidado direto e doméstico, e nos aproximamos de funções exercidas no espaço público, em instituições governamentais ou privadas (como enfermeiras, professoras, médicas), aumentam os salários, a escolaridade média e a proporção de vínculos formais. Também há maior presença de homens e de pessoas brancas. Isso revela um mercado segmentado, que atribui menos valor (simbólico e monetário) ao cuidado mais íntimo, repetitivo e invisibilizado — justamente aquele que mantém o cotidiano de milhões de famílias.

Reconhecer o cuidado como trabalho é o primeiro passo para enfrentar as desigualdades. Mas isso não basta. É preciso ampliar e qualificar as políticas públicas direcionadas aos que cuidam: garantir formação adequada, remuneração digna, contratos protegidos, reconhecimento social. É urgente tratar o cuidado como bem público e como uma responsabilidade coletiva — não apenas restrita às mulheres e nem confinada às famílias. Nosso estudo não buscou apenas responder à pergunta “quem cuida de quem cuida?”, mas propõe que essa pergunta seja recorrentemente feita e reiterada. E que ela oriente a construção de políticas mais justas, mais eficazes e, sobretudo, mais humanas.

Nadya Guimarães é pesquisadora do CNPq associada ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

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